Páginas

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

um conto de uma serie, chama-se Da selva de pedras

A chuva e os numeros

A chuva caia na cidade, timidamente, sem fazer barulho algum, tendo apenas como anunciante de sua presença o frio. Não era chuva de molhar, ou acabar com a seca de uma vez. Mas era a chuva que prendia as pessoas com melhor vida em suas casas, pelo desanimo que causava no coração delas, já que estavam tão acostumados com o sol.
As arvores retorcidas do quintal improvisado daquela casa, se agoniavam com sede, tendo como tortura uma chuva que não sabia se caia de vez ou continuava no céu. A sede de sete meses quase matava algumas delas.
Dentro da casa era o silencio, o silencio dos olhos atentos na janela que denunciava a paisagem desanimadora da semi-chuva fria lá fora. Não tinham coragem para fazer o que deviam.
Mais dentro da casa, onde se faz a comida (senda a casa de um cômodo) olhos tristes viam a panela com indignação. Estava meio cheia de arroz para se sustentarem até o fim do mês. Virou-se com dificuldade, pois o mais novo de todos ainda não sabia andar e ainda se encarapitava no colo. Tal movimento revelou a janela e os dois mais velhos aos olhos tristes. Todos olhavam a chuva que não saia se caia.
Mais essa agora, chuva para atrapalhar o trabalho dos guris! Se não fossem para a rua, não poderia ficar calma com eles em casa, iriam querer comer, e não tinham muito, tinham de render o que tinham.
O mais novo tremeu em seus braços. Teve pena do pequeno, realmente estava frio. Não pegaria o pano dos maiores, já andavam quase nus. Foi até a cama improvisada de papelão. Pegou alguns jornais velhos que achara na rua. Tais tinham como matéria de capa os escândalos de corrupção e desvio de dinheiro publico na construção de hospitais e escolas públicas, que iriam atender a populações carentes, e também aos contribuintes. Bom... Ela não sabia ler, eram apenas jornais, esquentavam bem. Serviam pra algo.
Depois de embrulhar o filhote, irritou-se com a preguiça dos mais velhos, pegou um jornal, este tratava da coluna social da cidade, e dizia sobre o senhor desembargador que deu uma festa de quinze anos a filha mais nova, festa com valos de 100mil reais e ainda deu um carro zero quilometro de presente, por ter conseguido passar de ano depois de uma vergonhosa reprovação, na qual deixou a família um pouco sem prestigio. Ela não sabia ler, enrolou o jornal, fez dele um porrete e deu nos meninos que teimavam em sair de casa. Os dois assustados, choravam, corriam e desviavam dos golpes da mãe, não queria sair da casa para a chuva.
Ela não queria saber, fez mais um gesto quando os encurralou entre o “quarto” e a “cozinha”. Antes de completá-lo, os meninos se renderam, sabia se não fossem seria o resto da tarde daquele jeito, e não seria um rolo de jornal como objeto de espancamento. Saíram chorando e soluçando, ainda com esperança de receberem a misericórdia da que os expulsava para a rua e o trabalho.
Mas os olhos não os visavam mais, e nem queriam, para não machucar os meninos mais do que mereciam!
Os olhos tristes procuravam o calendário, sabia de datas, números, precisamente o tempo, horas, dias, semanas, meses, anos. Como todo bem cristão precisava sabê-los para agradar a Deus e seus feriados.
Faltava um ano para as visitas de homens bons e bem vestidos, sempre sorridentes e com presentes, era sempre de quatro e quatro anos, o natal fora de época! Tudo porque queriam que ela fosse à escola pra digitar os números deles numa espécie de telefone com televisão, chamavam-na de urna. Ela de milagre de Deus, era sempre um alivio aqueles dias!

Nenhum comentário:

Postar um comentário